02 janeiro 2013

O mundo não é chato.

     O mundo não é chato, meu querido, mas está somente e insuportavelmente assim. Não do verbo ser, mas, do estar; o mundo vem de bizarras normalidades, e, por esses tempos, te juro, Horácio, que anda infinitamente mais cinza e sem graça como talvez – não me lembro – nunca tenha realmente estado. Aqui chove, meu amigo, e tampouco sabe-se que existe luz.

      Porque o mundo, inevitavelmente, é cruel, e capaz de te destruir absolutamente com alguns poucos segundos. As situações trabalham pra que cada um de nós, qualquer dia, venha a sofrer; e, acredite, parte dessa crueldade reside em uns sofrerem mais que outros e sermos, até mesmo quando o assunto é sofreguidão, intensa e profundamente diferentes.

      A verdade é que os poetas estão errados sobre as dores; que aqueles que escrevem frases sobre elas estão enganados, ou, mais maliciosamente, escondendo a verdade; que tudo sobre as dores é propositalmente acompanhado de uma pequena tentativa de dizer que tudo vai passar. A verdade, Horácio, é que as dores são como as gripes: são de uma variedade imensa e, contra elas, não há imunidade qualquer; cura-se de uma e outra vem, quase sempre pior.

Lágrima;

      Essa não sendo, porém, a parte mais complicada e complexa de toda a história, porém. Há de se advertir que o pós-dor pode ser de maleficências maiores e, quem sabe, mais atenuantes. Está no torpor, próprio daqueles que já sofreram demais, aquilo que acho, meu amigo, ser um dos maiores perigos daqueles que já viveram, ou ainda vivem.

     Vejo, meu poeta, em outros amigos – muito próximos – essa letargia, em estado atenuado, como vejo, às vezes, em mim mesmo. Talvez seja, Horácio, desamor pelo mundo, que se reflete nas faltas. Falta-nos tudo, creio eu, e acabamos nos contentando com não ter nada, e não ter, absolutamente, a vontade de ter. A felicidade, meu caro, parece distante demais.

     E chove. Chove porque a chuva a sinônimo dessa sonolência mórbida profunda que me toma, e talvez tome também desse mesmo jeito aqueles amigos de que lhe falo. O desânimo agrava a inexistência de qualquer coisa em mim. Já não vivo, Horácio, apenas tenho uma existência infeliz, sem objetivos, sem presságios, sem amores e não os quero, tampouco.

Apatia;

      E ainda assim, não chove. Não chove da forma física e creia, meu amigo, estar assim, nesse calor, é pior ainda. Já estar num inferno astral, quando se está no inferno físico torna tudo ainda mais fatídico e impressionantemente mais infausto. No entanto, a Bahia parece negar qualquer grande temporal, qualquer grande coisa que me traduza, que pareça mais comigo.

      Contudo, e tudo é muito, o mundo não é chato. É até mesmo distrativo ver como funciona tudo. Fica-se feliz aqui e ali, e depois se sofre como muitos não sabem. Talvez se fique letárgico e não se queira mais participar disso tudo. Mas, só talvez, e talvez resida aí uma parte da graça. Ah, Horácio, como eu queria apenas observar as mazelas desse povo, e jamais vivê-las. Diga-me como, talvez num poema. Mas, não me iluda: as dores doem; viver também.

Abraços,
Augusto.

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